segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Direito para quê?

Uma pergunta tem me afligido nas últimas semanas e, como não vejo perspectiva de resposta, resolvi compartilha-la. Quem sabe alguém poderá trazer-me luz. Se não, pelo menos arranjo companhia para minha angústia.

A questão é simples, para que o Direito? A resposta, por outro lado, não parece sê-lo. Vou tentar expor minhas razões de forma sucinta e sem apelar ao juridiquês, até porque acho que o problema é maior que o Direito.

A maioria de nós, que frequentou a escola a partir da década de 80, estudou história com professores marxistas, que a expunham como um constante conflito de classes. Sempre havia uma elite que dominava os meios de produção e por isso explorava os demais. Assim foi na Roma antiga, nos feudos, na Europa pós-revolução industrial e de certa forma, ironicamente, na União Soviética, na China e em Cuba.

Nessa perspectiva da história, o Direito era mais um elemento da superestrutura, ou seja, um instrumento do sistema para manter o status quo. Os direitos de propriedade, os meios de cobrança de crédito e a seletividade do direito penal seriam provas disso.

No entanto, as inúmeras revoluções e convulsões sociais ocorridas nos últimos cem ou cento e cinquenta anos, muitas delas inspiradas no discurso marxista, provocaram mudanças significativas no Direito, que passou a falar também em igualdade de gêneros, em função social da propriedade, justiça social e outras aspirações das classes exploradas. Com isso, os juízes passaram a ter nas mãos normas que apelavam ao sentimento de justiça ao invés de ditarem comandos diretos.

Na realidade, expressões de ideais constam nos documentos jurídicos há algum tempo, vide a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, que já falavam em igualdade e em liberdade. E foi justamente com base nelas que os juízes da Suprema Corte americana entenderam que a segregação racial lá era constitucional.

A diferença agora é que estes termos são mais recorrentes e tem sido motivo para decisões inovadoras e, de diversos modos, revolucionárias. Nas cortes brasileiras abundam decisões permitindo casamento entre pessoas do mesmo sexo, libertando pessoas presas por pequenos crimes, repetindo um fenômeno que tem ocorrido em diversos países. Isso é de tal modo significativo que já recebeu nome, ativismo judicial, e é objeto de profundos debates e pesquisas.

O que se nota ultimamente é que o Direito vem se tornando um instrumento de mudança e transformação. Parece algo positivo e muitos juristas e jusfilósofos defendem abertamente esta nova posição.

A questão é que as decisões tomadas antes e estas mais recentes compartilham o mesmo desejo de fazer o melhor para a sociedade. Talvez as antigas estivessem repletas de alguma cretinice e de uma boa dose de narcisismo, por só ver beleza no igual. É possível que haja aqui um amadurecimento da sociedade. Porém, é de se questionar até que ponto este discurso apelando a expressões vagas - ao interesse do povo, a dignidade da pessoa humana, aos valores democráticos, dentre tantas - não vai descambar em outro extremo e dar ensejo a novas tiranias.

Outro detalhe me passa pela cabeça. Nosso governo e nossas leis não são apenas produtos de conchavos políticos e de interesses econômicos. Diversos grupos sociais organizados, como o movimento negro e os ambientalistas, têm representação no governo e têm voz ativa na vida política. Do mesmo modo, parte significativa do nosso direito é resultado da luta destes grupos. Portanto, o status quo não representa apenas os donos dos meios de produção, os detentores do capital e tipos congêneres, mas também grupos que sempre foram vistos como vítimas do sistema. Desse modo, é importante questionar até que ponto é bom para a democracia, ou seja, para uma sociedade construída para todos, romper com o este status quo.

Assim, pergunto novamente, que Direito é esse? Será que ele ainda é um instrumento do sistema ou se transformou numa arma da revolução? Será que esses conceitos, de sistema e de revolução, ainda servem para compreender nossa sociedade?

O problema de fazer perguntas é o mesmo de coçar as coisas, a gente começa inocente, sem nem perceber, e depois não sabe como parar.

Um comentário:

J. disse...

Amei. Vamos coçar as coisas!