quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Carta a Uma Amiga

Prezada Milla,

Em primeiro lugar, obrigado pela lembrança.

Pra ser sincero já tinha lido esta entrevista de Marcola ao Globo. Fiquei muito chocado na época. Melhor dizendo, fiquei muito impressionado. Inclusive coloquei um trecho dela no perfil do meu orkut: achei que as pessoas precisavam ver algumas daquelas palavras.

Mas, hoje penso se o objetivo dessa entrevista não era, justamente, chocar. Afinal, se não fosse algo assim a globo não publicaria, nem o "maior criminoso do país" abriria a boca pra falar. Como o próprio afirmou, antes pessoas como ele só eram lembradas nos desabamentos e nos sambinhas romantizando a favela. Agora não, eles são primeira página: ataques no Rio, em São Paulo, chacinas aqui e acolá, enfim, não se passa uma semana sem que haja algo macabro no jornal sobre as favelas. O Governo até criou um grupo especial para cuidar dos favelados, a Força Nacional. É o show do terror que eles aprenderam a dar e que a mídia adora. E a entrevista toda é assim, desde o descaso com a moral até as vastas leituras do "marginal".

Aí, eu que no começo me impressionei com a clareza e sagacidade do diagnóstico de Marcola, e claro com a própria cena descrita, começo a tirar o crédito das suas palavras. Um homem que leu tanto quanto ele demonstra ter lido tem perfeita noção do impacto das coisas que disse. E até que ponto ele não disse aquilo apenas pela atenção que chamaria? É cheio de frases de efeito como "eu sou um sinal dos novos tempos", ou "você é que têm medo de morrer, eu não" e " Nós somos cruéis, sem piedade (...) Nós fazemos vocês de palhaços". Alguns cantam pra serem famosos, outros mostram a bunda, ele mata. E agora se diz o cavaleiro do Apocalipse.

Pense bem, veja se as críticas dele não se aplicam ao governo de Lula, mas também ao de Collor, à Ditadura, aos dos Dom Pedros. O nosso país tem sido governado com o mesmo descaso e pela mesma burocracia incompetente desde o começo. Canudos, o cangaço, o comunismo, o governo parece sempre tentar resolver o problemas sociais com violência, cuidando dos sintomas sem cuidar das causas. São críticas velhas como a anúncio do fim dos tempos, que já deveriam,segundo as profecias, ter acabado há muito tempo. Repare que ele cita a Divina Comédia, que começou a ser escrita há exatos 700 anos.

Enfim, talvez ele até sirva de alerta para acordar as pessoas. De fato, a situação é grave, da criminalidade ao meio ambiente, e precisa de nossa intervenção. Mas, sinceramente eu acredito que desespero não ajuda. Vamos ler e ouvir quem informa e propõe algo diferente, não estes jornais sujos de sangue.

Espero que tenha valido sua paciência.
Abraços,

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Andei repensando Cuba

Li recentemente um artigo de Fidel Castro na Caros Amigos. Tratava dos pugilistas cubanos que tentaram fugir durante o pan. Na perspectiva dele, o retorno dos cubanos correra de forma tranqüila, com uma perfeita colaboração entre as autoridades brasileiras e cubanas. Quanto aos desportistas, eles apenas haviam desistido de ceder as ofertas indecentes de empresários – na opinião de Fidel - mafiosos. Segundo o estadista ainda, ninguém foi preso ao chegar em Cuba, foram eles apenas levados para casas de observação, com livre acesso aos familiares e aos repórteres. Os boxeadores não seriam tampouco objeto de represálias de qualquer tipo e exerceriam uma função digna do esporte que praticavam. Em suma, receberiam um tratamento digno, diferente daquele dado pelos estado-unidenses aos prisioneiros de Guantánamo e Abu-Ghraib. Achei interessante, em primeiro lugar, o paralelo com as prisões americanas. Se não foram de fato presos os ex-desertores, seria então descabida a comparação. Enfim, talvez ele tenha apenas aproveitado o ensejo para criticar seus inimigos mortais. De qualquer modo, após muitos anos defendendo Cuba e o regime de Fidel, fiquei pensando nas palavras dele, especialmente sobre o buscar soluções despregadas de paixões e rancores e sobre o saber tratar seu povo. Primeiro, pelas inúmeras pessoas perseguidas pelo governo por atos atentatórios a revolução. Gente que foi presa e torturada, assim como aqui, por ter opiniões diferentes. Mas, não só isso, fiquei pensando também no povo que vive com cerca 200 pesos por mês, que não é mera média aritmética, pois num país socialista todos ganham mesma coisa. Este salário equivale a menos de 10 dólares, o que coloca os cubanos abaixo da linha da pobreza. O governo ainda fornece uma sesta-básica, mas ela não atende às necessidades de uma família durante um mês. Pensei também nas eleições que são feitas apenas para o Congresso Nacional, onde se vota erguendo-se a mão e apontando para um dos candidatos escolhidos pelo Partido Comunista Cubano, o único do país. Enfim, até que ponto um chefe de estado que submete seu a tantas privações e a tamanha repressão político-ideológica sabe o que é digno? E já nem consigo mais pensar nisso como sacrifícios em prol de um ideal, por que este ideal não é mais construído, nem conversado, nem aspirado ou sonhado, apenas imposto.