sexta-feira, 28 de maio de 2010

DESVENTURAS NA NIGÉRIA

Estava hoje vivendo mais uma das idiossincrasias da modernidade – arrumar as coisas no pen-drive – e me deparei com os dois relatos que escrevi sobre minha ida a Nigéria. Diverti-me bastante relembrando os fatos ali narrados e tentando resgatar as emoções. Fiquei um pouco triste também de não ter levado adiante essa tentativa de registrar a viagem toda. Por isso, resolvi tentar fazer mais um capítulo aleatório e escrever as lembranças que não se perderam.

Capítulo 3

No final último do capítulo, nós tínhamos chegado ao estacionamento do aeroporto internacional Murtala Muhammed, após pouco mais de trinta horas de viagem, três aviões e uma horda de pessoas querendo carregar nossas malas em troca de alguns dólares.

Este capítulo começa após termos nos desvencilhado do mar de gente na saído do aeroporto e ter chegado ao estacionamento.

Como éramos um grupo de seis pessoas – quatro brasileiros e dois nigerianos, sem contar os dois motoristas – nos dividimos em dois carros. Contudo, o que devia ser um minicomboio, com um carro seguindo o outro, era uma disputa pela liderança, tão caótica como o trânsito lá fora. Os dois motoristas se ultrapassavam constantemente e sempre com muitos gestos irritados e palavras em ioruba que, pelo tom, não pareciam nada elogiosas.

Essa competição chegou ao seu ápice quando o motorista do carro em que eu estava decidiu fugir do engarrafamento e pegar um atalho, se afastando do outro carro que seguiu pela avenida principal. Isso é que suponho que ele tenha pensado, pois ele nada disse. Apenas vimos os carros tomarem rumos distintos e o nosso seguir por uma estrada de barro, em meio a casas paupérrimas, mesmo para os padrões da Nigéria.

Podia trazer aqui vários argumentos para ficar apreensivo naquele lugar, mas o único sincero é o preconceito. Aquele bairro mais pobre que o resto da cidade parecia, por isso, menos seguro. O fato de termos tomados caminhos diferentes também era preocupante. Cenas de assalto, seqüestro, tortura e outras idéias piores me passaram pela minha cabeça.

Mas, naquele país estranho, com aquela língua estranha, naquele carro estranho com anfitriões estranhos, a possibilidade de algo dar errado já estava nas alturas desde o começo. Então, embora aquele desvio parecesse digno de preocupação, achei que fazia pouco sentido passar a me preocupar naquele momento: o aumento no risco era estatisticamente irrelevante.

Porém – e eu aconselho ao leitor reler este advérbio com bastante ênfase – meu padrinho não teve o mesmo pensamento no outro carro. No nosso carro não podíamos ver o que ocorria no outro, apenas ouvimos o telefone do nosso anfitrião tocar e uma conversa onde ele parecia dar satisfações e pedir calma a quem estava do outro lado, como se estivesse tudo sob controle. Ele desligou o aparelho, comentou algo com o motorista, que imaginei ser algo tipo “esse pessoal se preocupa com besteira e vem encher meu saco”. Mas, as explicações não foram suficientes para o interlocutor e o telefone tocou novamente. Dessa vez, nosso anfitrião não disse nada, apenas ouviu berros. Visivelmente contrariado, ordenou ao motorista que fizesse o retorno e voltasse para a avenida.

Soubemos depois que a coisa ficou preta no outro carro. Meu padrinho já estava tenso desde a disputa pelas malas lá no aeroporto e seu resto de autocontrole foi para o espaço quando os carros se afastaram. Ele imediatamente começou a pedir satisfações de um modo bastante incisivo, para não dizer, mas já dizendo, violento. Quando ouviu o a resposta da primeira ligação ficou indignado, chamou todo mundo de incompetente e berrou:

- Stop essa porra agora!

Aquele “porra” ressoou pela avenida e, sem necessidade de tradução, todos os carros em um raio de 100 km pararam imediatamente.

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