sexta-feira, 20 de março de 2009

A borboleta e o se

Tenho uma amiga que é bastante certa quanto ao que espera da vida. Ela deseja ser rica e bem sucedida e não tem dúvida de que vai conseguir isso, afinal tem trabalhado por isso há muito tempo. Confesso que tenho uma certa admiração por ela nesse ponto. Eu carrego dúvidas comigo sempre um inifinidade de dúvidas, tantas que geralmente deixo as escolhas para o último momento ainda peço uma prorrogaçãozinha. Então, vejo beleza nessa capacidade dela de traçar uma meta e persegui-la com afinco e com tanta certeza. Mas, há uma questão que não consigo evitar quando penso nessa amiga: será (maldito será!) que um dia, lá na frente, quando ela tiver tudo que quer, ela não vai olhar para a vida e pensar que não tem nada do que precisava?


Em primeiro lugar, o ser humano é complicado. Embora eu ache que a gente simplesmente quer um pouco de felicidade e conforto, para aliviar as dores inevitáveis da vida, essa felicidade é cheia de detalhes. Aposto, por exemplo, que se essa amiga ganhasse cinqüenta mil reais por mês numa empresa em que todos ganham cem, ela não seria feliz. Outros, como eu, se ganhassem um salário desses numa empresa que corta as árvores da Amazônia para fazer papel e ainda vende os macaquinhos, seriam igualmente infelizes. Enfim, nossos desejos sempre vêm cheios de condições e variáveis, que tornam as coisas complicadas.


Então, eu fico pensando se ela não está simplificando sua vida e reduzindo tudo àqueles dois objetivos que mencionei. Será que ela não está criando um novo deus, o da fama e da riqueza, que é capaz de lhe dar tudo que ela precise? Algo tipo “tudo posso naquele que me faz rica e bem sucedida”. Se ela estiver feia, pode pagar uma plástica, se tiver problemas em ter filhos, paga uma inseminação artificial e por aí vai. Segundo ela, se gostasse de um cara com grana, ela casava agora, a despeito dos planos de só casar no futuro. Mas, que eu não me preocupasse, seria apenas por uns cinco anos. Pelo visto, o deus dela pode arranjar um casamento também.


Aí, fico imaginando se, lá pelos trinta e poucos anos, após terminar uma segunda graduação e ter feito a pós-graduação que ela planeja, já com um currículo bonito, artigos publicados e uma sólida rede de relacionamentos, minha amiga vai, finalmente, ter o que desejava e sentir algo estranho, aquela pontada na consciência que nossas verdades geralmente dão. Só que, nesse momento, ela ainda não terá testado seu deus e ainda restará esperança. Aí, ela deve arranjar um marido bonito e bem sucedido, ter um filho, fazer aquela plástica, construir uma casa e viajar pela Europa. Até que, aos quarenta e tantos anos, ela enfim terá tudo, mas ainda sentirá o mesmo vazio enorme, só que agora sem esperança de preenchê-lo. Vai sentir uma vontade de mandar tudo para o inferno: os amigos interesseiros, os filhos cheios de vontade, o marido ausente e o elefante branco que é sua casa. Contudo, essas coisas todas a possuíram ela mais que o inverso. Quem sabe o próprio capeta virá em pessoa dizer-lhe que tem duas notícias, uma boa e uma ruim: a boa é que ela não precisa mandar nada para o inferno, porque aquilo tudo já o é. A ruim é que, se, sendo assim, ela quer sair, não dá mais para fugir, vez que ele a prendeu de todas as formas possíveis.


Que situação mais cruel deve ser sentir-se presa pelos seus próprios desejos numa altura dessas da vida. Imagina dar-se conta de que todos os seus esforços serviram apenas para lhe aprisionar. Não quero aqui defender a importância da família, de ter alguém para dividir a vida e apoiar nos momento de dor, nem vou pregar a necessidade de cuidar de uma saúde espiritual. Apenas vislumbro a possibilidade de haver nela algo mais que dinheiro e reconhecimento. Enfim, apenas um monte de se, saído do dia-a-dia de um mosqueteiro pós-contemporâneo...

3 comentários:

juliana disse...

sabia que o texto era seu antes de ver a assinatura.

D'Artagnan disse...

PORRA juliba, vc tinha cinquenta por cento de chance de acertar! eu também tinha certeza que era dele, pelo simples fato de não ter sido meu.

tem só um detalhe meu querido, pouco relevante pras coisas em si, mas no seu último paragrafo você escreve algo como "mas aquelas coisas a possuíram ela mais que o oposto" tem pronome pessoal demaios nessa estória, acho eu.

eu penso bastante como vc nesse ponto e tenho uma namorada que se encaizaria perfeitamente no lugar dessa sua amiga. é interessnte como eu não consigo deixar de pensar em querer todas as outras coisas que são automaticamente abandonadas quando fazemos certas escolhas...

Athos disse...

Fiquei imaginando oq passou pela sua cabeça, ju, enquanto vc lia o post...