terça-feira, 13 de setembro de 2011

A Parábola do Escomungado

Em algum lugar muito parecido com algum outro lugar vivia um grupo de Esquizofrênicos. Esses esquizofrênicos, ao contrário do que se poderia imaginar, viviam muito bem, já que em sua condição peculiar, não tinham cada um um conjunto de visões e estranhas percepções mas ao contrário, sua esquizofrenia, por assim dizer, era compartilhada.

Dada essa condição bastante pitoresca, os esquizofrenicos se reuniam todas as tardes ao que parecia ser entre as 18 e 20 horas num descampado, ao final de uma trlha em um pequeno bosque. Esse deacampado parecia uma daquelas formas de bolo ou pudim que têm aquela protuberância bem no meio. E bem alí naquele miolo protuberante se erguia uma pedra nada incomum, coberta por um limo verde-cana. Da base da pedra se erguia um fino caule que se arqueava enquanto subia projetando, ao meio dia, a sombra de uma bela orquídea roseada bem no meio da pedra.

Eis que então os esquizofrênicos se reuniam ao entorno da forma de bolo/pudim para apreciar, ao que parecia, uma pequena orquídea se balançando sobre uma pedra. Acontece que aos olhos daqueles bem aventurados a pedra era, na verdade, uma gelatina laranja bem translucida e a orquídea um pássaro preto. Ali, portanto, era uma arena onde grandes embates filosóficos eram travados e durante essas duas horas a gelatina e o pássaro debatiam árduamente suas posições, com a razão pendendo, óbviamente, para o pássaro.

Um belo dia ao fim de uma particularmente monótona discussão, quando iam saindo os espectadores, um deles levanta mais a voz do que deveria e diz: É Parece que dessa vez a gelatina ganhou. Um silêncio meio constrangedor tomou o lugar e algumas pessoas que iam saindo riam bem baixinho se afastando do "maluquinho". Torcendo os narizes, os esquizofrênicos mais antigos e responsáveis pela manutenção dos rituais resolveram que deixariam aquela passar. coisa de menino.

O problema é que no decorrer da semana, que durava dias aleatórios, o "maluquinho" conseguiu convencer alguns outros esquizofrênicos que a gelatina poderia ter razão vez ou outra e que não havia nada de mal nisso. Isso, naturalmente, incomodou demais os mais velhos que decidiram por um fim naquela coisa de a gelatina ter razão. Onde já se viu! Como é que algo larana pode ter razão, parecia brincadeira e com certeza era mau uso do conhecimento divino.

Sendo assim não havia mais o que ser feito. Um dia os velhinhos chamaram o "Gelatinista" e proferiram sua sentença. Não mais poderia ele participar dos debates a cerca das quetões apontadas pelo Pássaro e pela Gelatina. Ele estava terminantemente proibido de compartilhar dos espaços sagrados e consequentemente de qualquer contato com seus, agora antigos, pares. Estava por fim proibido de comungar com seus irmãos. Escomungado.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Bob

Bob estava resignado. Na verdade mesmo ele estava revoltado. Mas esse tipo de sentimento demandava explicações e argumentos concisos demais que ele não estava nada afim de expor ou entender. Tudo começou quando ele saira para comprar pão. Na volta da padaria Bob resolveu passar pelo bar vizinho cujo dono era seu amigo de longa data.

Ao entrar no estabelecimento, ainda fechado, Bob encontrou seu velho amigo atrás do balcão, obviamente secado as taças. Depois das corriqueiras liberdades envolvidas no processo peculiar de encontro de dois amigos homens, Bob que estava prestes a começar uma conversa burocratica relatando os detalhes que haviam mudado em sua vida nos últimos dois dias foi interrompido pela TV.

Ao contrário do que se poderia imaginar, a TV não pediu qualquer tipo de licensa, senão atravessou bruscamente o salão perturbando a conversa. Um ajudante do dono do bar a havia ligado e, já que todo homem daquele lugar era acima de tudo absolutamente honesto, Bob nem cogitou qualquer possibilidade dele ter feito aquilo de propósito. Nem ele, nem a TV e nem os dois em complô .

Interrompidos, foram forçados, os dois amigos, a olharem para a TV. Nela o presidente falava sobre como as novas medidas, taxas, privatizações, estatizações e mansões eram "para o bem do país". Todos ali sabiam, naturalmente, que o Lagarto mentia, e o mau estar ficou por conta do termo "mansões" e de como aquilo dava um tom irreverente ao discurso.

Os Lagartos, vale a pena dizer, eram muito bem articulados e sabiam muito bem o que escolher para beber o que os levou, naturalmente, a assumir a liderança daquele povo humano, apesar de odiá-los. Na verdade os humanos também os odiavam, mas acreditavam piamente na capacidade de escoher o que beber dos lagartos.

Ao final do discurso, o bar já aberto ganhou sua vida normal e os pequenos comentários sobre a irreverencia do presidente ao ter colocado no discurso a palavra "mansões". Mas de repente alguém disse algo que não queria dizer e alguém de outra mesa interpretou como algo que ele deveria ter tentado falar e, logicamente, o estabelecimento transformou-se num verdadeiro caldeirão. Focos de conversas e falas indignadas enchiam todos os cantos do bar, se unificando quando todos pareciam falar ao mesmo tempo a mesma coisa com outras palavras.

Em meio a esse pandemônio, Bob, imbuído do mais caloroso dos furores políticos evocou o nome da oposição. Silêncio sepulcral. Mais silêncio. Os olhos de todos se voltaram curiosos para ele que desceu da mesa. Devagar. O dono do bar o ajudou, passou o braço pelos seus ombros e, caminhando em direção à porta, disse-lhe: Os outros lagartos são piores. Bob resignou-se.

(Agradecimentos a Tio Douglas, pela inspiração. E pela idéia central. Na verdade é quase plágio...)